Foi uma honra e um prazer ser convidada para prefaciar esta bela coleção sobre as Maravilhas da Humanidade. Como gosto muito de viajar, tive a alegria de conhecer quase todas as Maravilhas do nosso tempo, lugares de rara beleza. Em nenhuma delas, porém, fiquei tão encantada como em Petra.
Quem me conhece sabe que sou feliz entre montanhas. Petra é uma cidade esculpida na pedra de várias montanhas, ravinas que desenham ruas, desfiladeiros que encaminham canais de água que durante séculos mantiveram a cidade fértil. Também conhecida como Raqmu, Petra sobreviveu a confrontos, chuvas, e terramotos, graças à precisão da engenharia nabateia, que em vez de erguer fachadas entre as montanhas, embutiu-as nas suas encostas, escavando autênticas vilas. A engenharia antecipou ainda invasões e, possivelmente sem saber, preveniu a destruição total das fachadas enquanto as montanhas tremiam durante o sismo de 363 d.C.
Procurar razões para justificar tal precisão arquitetónica pouco importa, o impacto da chegada à cidade é notável. O povo nabateu criou, ao longo da cidade, um sistema de armazenamento e envio de água das chuvas, pintando o interior de Petra em tons de verde, das árvores, e azul, das piscinas. Para além dos campos verdejantes e irrigados, a água alimentava cerca de 30 000 habitantes, oriundos de várias regiões — gregos, egípcios, romanos, sírios e jordanos. Petra era considerada pelos Persas um paraíso na terra. Após a longa travessia do deserto vasto e árido, chegar a Petra era semelhante a encontrar um pedaço de céu na terra, onde confluíam e conviviam povos distintos.
No Verão de 2007, decidi voar até à Jordânia e celebrar o meu aniversário em Petra. Em Amman, ainda de noite, apanhei um táxi que ligaria as duas cidades em apenas três horas. A viagem afigurava-se simples e, tanto quanto sabia, o condutor era experiente e conhecia bem aquele percurso. Não coloquei a experiência em causa, mas passados 20 quilómetros de viagem reparei que a sua cabeça tombava na direção do volante. Percebi que estaria com sono e sugeri-lhe que tomasse o meu lugar de passageiro, passando eu para o lugar do condutor. Sem oferecer resistência, o taxista concordou e em menos de dez minutos tinha adormecido no assento do lado. Em pleno deserto, à medida que conduzia na direção do horizonte, o sol despontava e com ele a ansiedade de descobrir um lugar novo, de imaginar as civilizações antigas a pisarem os trilhos que em breve pisaria também. Avistei uma placa que indicava a direção a seguir e em menos de meia hora estaria à entrada de Petra. O crescendo de emoções provocado pela peripécia no táxi embelezou a descoberta desta cidade mágica, agora em tonalidades entre o magenta e o vermelho.
À chegada, caminhei por um desfiladeiro dramático de 180 metros de altura que ziguezagueava durante cerca de um quilómetro e meio. A distância entre as montanhas progredia à medida que me aproximava do final do trilho, desembocando numa fachada embutida na pedra em frente intitulada “O Tesouro”. As estátuas, capitólios, e colunas de O Tesouro eram reminiscentes da Grécia Antiga e de Roma. Caminhando na direção oposta, deparei-me com degraus entalhados na pedra, típicos da Síria e Mesopotâmia. Reparei ainda nuns obeliscos egípcios, e nos capitólios com cabeças de elefante que me transportam de imediato para a Índia. É admirável a ideia de esculpir na pedra viva. De um modo geral, quando imagino a construção de uma cidade, imagino a pedra vinda de um lugar, trabalhada noutro, e agregada em estruturas no local da futura cidade. Na cidade Antiga e cinzelada, a montanha estava viva, tal como estavam as pessoas que a habitavam, tal como estavam os campos. Em tempos, a cidade teve a dimensão da ilha de Manhattan, e curioso que assim que ouvi estas palavras do guia, tentei imaginar a convergência dos povos que se reuniam aqui, ora para usufruírem das piscinas e das plantações geradas em pleno deserto, ora para trocarem especiarias e seda. Impressionou-me ainda a evidência dos túmulos que acompanham a cidade. Habitualmente, quando pensamos nos mortos pensamos num espaço isolado onde os corpos se concentram; em Petra é como se a cidade nunca tivesse morrido por nunca ter tido medo da morte.
O que se conserva na cidade de Petra, e que não é visível à vista — como são as obras de arte encontradas no interior das vilas, ou os ladrilhos bizantinos descobertos debaixo da areia à entrada de uma igreja em ruína — é o que resta da memória coletiva de quem pesquisa, escreve e lê sobre a cidade. Um elo coletivo que nos convida a refletir sobre uma sociedade pontuada por vários povos e culturas. A imponência da montanha esculpida que perfaz uma das cidades mais antigas do mundo, leva-nos a repensar e a re-imaginar o que significou e significa este local, e o que continuará a significar no futuro.
Essa foi a minha experiência, tão especial e transcendente que levarei comigo para sempre. Convido-vos a conhecer esta coleção que belamente trata de todas as Maravilhas, as antigas e as do mundo moderno, transportando-nos para os mais belos lugares e em muitas viagens, reais e imaginárias. Boa leitura!

Dalila Carmo